O recente encontro entre Jair Bolsonaro e Gilberto Kassab, selado com um abraço caloroso durante um evento de prefeitos em Brasília, acendeu um alerta no cenário político brasileiro. O gesto, aparentemente cordial, carrega um forte simbolismo político que representa uma má notícia para o presidente Lula e sua estratégia de isolamento da direita.
O Fracasso da Tentativa de Isolar Bolsonaro
Desde o fim do governo Bolsonaro, a estratégia da esquerda tem sido clara: transformar o ex-presidente em uma figura politicamente tóxica, um “intocável”. A narrativa é a de que Bolsonaro seria uma ameaça à democracia, um golpista e um extremista, tornando qualquer aproximação com ele algo inaceitável dentro do jogo político.
No entanto, o abraço de Kassab desmonta, ao menos em parte, essa estratégia. Gilberto Kassab, presidente do PSD, é visto por muitos como herdeiro da velha política do PSDB, adaptada ao pragmatismo do centrão. Apesar de ter sido um dos articuladores de movimentos contra Bolsonaro, tanto na CPI da COVID quanto na do 8 de janeiro, Kassab demonstra agora que a realidade política impõe outra dinâmica.
Brasília: Onde Não Existem Inimigos, Só Interesses
O episódio escancara uma velha máxima da política brasileira: em Brasília, não existem inimigos, apenas adversários circunstanciais. As rivalidades são mais narrativas para consumo do eleitorado do que obstáculos reais. Nos bastidores, conversas e articulações acontecem entre todos os espectros políticos.
O encontro entre Bolsonaro e Kassab não significa necessariamente uma aliança formal, mas rompe com a ideia de que o ex-presidente está isolado. Pelo contrário, mostra que Bolsonaro mantém forte influência, especialmente junto às bases municipais, representadas pelos prefeitos que o aplaudiram no evento — em contraste direto com as vaias direcionadas a Lula no mesmo encontro.
A Disputa Pelo Centro: Quem Levar, Leva a Eleição
A política brasileira caminha para uma disputa cada vez mais centrada na conquista do eleitorado do centro. O raciocínio é simples: os votos da esquerda e da direita estão consolidados. A vitória, tanto em 2026 quanto nas eleições municipais de 2024, passará necessariamente por quem conseguir mobilizar o eleitor que não se identifica diretamente com os polos.
Esse eleitor de centro, na maioria das vezes, não acompanha o debate político. Não está nas redes discutindo política, não lê editoriais e nem se interessa profundamente por pautas ideológicas. Ele é pragmático, vota por influência local, por redes de relacionamento, igrejas, lideranças comunitárias e por quem se mostra próximo da sua realidade.
Por Que o PSD Importa Nessa Equação
O PSD, partido comandado por Kassab, possui uma capilaridade invejável no Brasil, especialmente em cidades de pequeno e médio porte. Herdou a estrutura que um dia foi do PSDB e do PMDB, dominando prefeitos, vereadores e lideranças locais.
Essa base é estratégica. Ela representa a chamada “última milha” da política — aquela conexão direta entre o candidato e o eleitor que não está nas redes sociais, mas no contato físico, na visita à igreja, na conversa na padaria ou no evento comunitário.
O PL, partido de Bolsonaro, vem construindo essa estrutura, mas ainda não possui a mesma profundidade que o PSD. Por isso, qualquer aproximação entre Bolsonaro e Kassab, mesmo que não formalizada, representa uma enorme vantagem para a direita no tabuleiro político.
O Erro de Cálculo da Esquerda
A esquerda, particularmente o PT, apostou que enfraquecer Bolsonaro judicialmente e mediaticamente seria suficiente para neutralizá-lo. Apostaram que torná-lo inelegível, cercá-lo de acusações e tratá-lo como um pária político resolveria o problema.
Porém, essa estratégia não está funcionando. Ao contrário do esperado, Bolsonaro manteve sua força política. As acusações — sejam elas sobre vacina, sobre supostos golpes ou qualquer outro tema — não reduziram seu capital eleitoral. A percepção de perseguição judicial, aliás, só fortaleceu sua narrativa entre seus apoiadores e boa parte do eleitorado indeciso.
Kassab, astuto observador da política, percebeu esse movimento. O abraço não é apenas um gesto de cortesia; é um sinal claro de que o PSD não está disposto a ignorar o peso que Bolsonaro ainda possui no cenário político nacional.
O Novo Cenário: Fim do Teatro das Tesouras?
Durante décadas, o Brasil viveu sob o chamado “teatro das tesouras” — a falsa polarização entre PT e PSDB, onde ambos representavam variações da mesma agenda, alternando o poder sem grandes rupturas.
O abraço entre Kassab e Bolsonaro sinaliza que esse modelo pode estar chegando ao fim. A velha centro-esquerda, representada por partidos como PSDB, MDB e PSD, percebe que sua sobrevivência pode depender de se reposicionar. Em vez de serem a falsa direita que enfrentava o PT, podem se tornar a nova esquerda moderada, assumindo o espaço que o PT pode perder, caso continue insistindo em uma agenda rejeitada por boa parte da sociedade.
Esse movimento é semelhante ao que ocorre em Portugal, onde o Partido Socialista, que dominava o cenário, foi superado por uma nova direita forte (representada pelo Chega) e uma centro-direita reorganizada (a Aliança Democrática).
Conclusão: Lula Tem Razões Para se Preocupar
O gesto entre Kassab e Bolsonaro não é um fato isolado, mas um indicativo de que a realidade política brasileira está mudando. A tentativa de tornar Bolsonaro uma figura radioativa fracassou. O ex-presidente, mesmo inelegível no momento, segue como a maior força popular do país.
Se a esquerda não entender que a disputa real não é mais entre PT e PSDB, mas sim entre uma direita forte e uma centro-esquerda em reconstrução, poderá ser atropelada pelo novo ciclo político que se desenha.
O recado é claro: quem ignorar a força do centro e não se adaptar a essa nova configuração, ficará para trás.