A Páscoa de 2025 está batendo à porta, mas o que deveria ser uma data marcada por reencontros, renovação e doçura, promete ser um reflexo amargo do momento econômico que o Brasil atravessa. Com o preço do cacau atingindo patamares históricos e a crise econômica se aprofundando, a tradição dos ovos de chocolate pode virar um luxo para poucos.
A pergunta que não quer calar: a que preço estamos pagando por manter tradições enquanto ignoramos o desmonte silencioso da nossa estabilidade financeira?
Em abril de 2024, a tonelada de cacau estava cotada a cerca de US$ 4 mil. Agora, poucos meses antes da Páscoa de 2025, o preço ultrapassou a marca de US$ 10 mil por tonelada. Sim, isso mesmo: mais que o dobro. A razão? Uma combinação explosiva de fatores: estiagem, doenças nas lavouras da Costa do Marfim e Gana (responsáveis por cerca de 60% da produção global), somadas a um crescimento da demanda que não cessa.
Mas não são apenas os produtores de chocolate que sentirão o baque. O aumento impacta toda a cadeia: indústrias, transportadoras, varejo, e claro, o consumidor final. No Brasil, os reflexos já são visíveis. Especialistas do setor estimam que o preço dos ovos de Páscoa pode subir até 30% em relação a 2024. Em um cenário de crise, isso é praticamente um convite para o boicote involuntário.
Enquanto o cacau sobe, a renda da população brasileira afunda. A inflação real dos alimentos está muito acima dos índices oficiais. Comer está mais caro, morar está mais caro, viver está mais caro. O Brasil está diante de uma nova fase da crise econômica que se arrasta desde 2014, com picos agravados pela pandemia e soluções paliativas mal executadas.
Empresas estão fechando, o desemprego estrutural se consolida e a informalidade bate recordes. Em meio a tudo isso, o governo parece mais empenhado em campanhas de imagem do que em políticas de recuperação profunda. O resultado é uma classe média encolhida, uma classe baixa sufocada e uma elite indiferente.
O chocolate é apenas o símbolo da ponta do iceberg. Por trás dele, está um Brasil exausto de fingir normalidade enquanto não consegue pagar o essencial.
Comprar um ovo de Páscoa virou um ato quase simbólico de resistência. As redes varejistas tentam manter a mágica: promoções, parcelamentos, “leve 3, pague 2”. Mas o consumidor está mais atento. Em muitos lares, a opção será substituir o ovo por uma barra simples, ou mesmo abrir mão do chocolate.
Tradições que ignoram a realidade viram opressão. Não há doçura em fingir que tudo vai bem, quando mal se consegue comprar arroz e feijão. Manter a aparência de normalidade, nesse contexto, é cruel.
Os pequenos empreendedores que viram na Páscoa uma oportunidade de renda extra também sofrem. Com o cacau caro, o custo para produzir bombons, trufas e ovos artesanais disparou. Muitos simplesmente desistiram.
“Não compensa mais. O que eu vendia por R$ 30 no ano passado, hoje custa quase R$ 50 pra produzir. E ninguém quer pagar R$ 70 num ovo artesanal”, relata uma doceira de bairro.
Ou seja: a crise não é só nos grandes números, mas no cotidiano, na renda complementar, na tentativa de driblar a escassez com criatividade.
A Páscoa de 2025 se tornou um espelho do Brasil atual: desigual, contraditório e exausto. Seguimos celebrando datas com simbolismos religiosos e sociais, mas cada vez mais distantes do significado verdadeiro. Se a Páscoa fala de renascimento, o que renasce em um país que se sente condenado à repetição dos mesmos erros?
Mais do que nunca, precisamos de um debate honesto sobre prioridades. Que futuro econômico queremos construir? Um país que se curva a cada pressão do mercado internacional? Ou um Brasil que investe em produção interna, educação financeira, apoio ao pequeno produtor e soberania alimentar?
Enquanto o povo se vira para sobreviver, nossas lideranças apostam em soluções genéricas. Planos de crédito que ninguém consegue acessar. Iniciativas de “digitalização” enquanto falta acesso básico à internet. Reforma tributária que, na prática, ainda não resolveu a carga injusta sobre o consumidor final.
O Brasil não está em colapso por acaso. Está por negligência acumulada, por políticas pensadas de cima para baixo, sem escuta, sem planejamento de longo prazo.
O chocolate é doce, mas virou amargo. Como metáfora, ele representa bem o Brasil de 2025: belo por fora, mas com um recheio cada vez mais inacessível para a maioria.
Se queremos celebrar, que seja com consciência. Que a Páscoa nos sirva de reflexão sobre o que estamos consumindo, não só na mesa, mas também como sociedade.
O brasileiro é resiliente. Mas também está cansado. De promessas, de ajustes que não chegam, de sacrificíos constantes. Que esta Páscoa não seja só sobre o que não podemos comprar, mas sobre o que precisamos mudar.
Porque o futuro do Brasil não pode depender do humor do mercado internacional, nem da conivência com a desigualdade.
Se o cacau está caro, o que deveríamos questionar é: por que nossa economia está sempre na berlinda? E quando vamos, enfim, romper esse ciclo que faz o simples virar luxo e o essencial virar privilégio?
Feliz Páscoa. Com ou sem chocolate. Mas com consciência.