Imagine viver em um lugar onde os gatos andam livremente pelas ruas, frequentam prédios públicos, sobem nos balcões das lojas, e até participam de cerimônias cívicas. Um lugar onde não apenas são bem-vindos, mas são considerados verdadeiros cidadãos. Parece roteiro de filme ou conto infantil? Pois essa cidade existe — e fica no Japão.

O nome dela é Onomichi, e está localizada na prefeitura de Hiroshima. Mas ela não é a única. Cidades como Tashirojima, também conhecida como “Ilha dos Gatos”, e Aoshima, com mais felinos que humanos, reforçam o fascínio que o povo japonês nutre pelos felinos. Porém, Onomichi vai além: aqui, os gatos não são apenas mascotes. Eles são tratados com o respeito e a importância de verdadeiros membros da sociedade.
Como os gatos viraram “cidadãos”?
Tudo começou de forma espontânea. Onomichi, com seus becos estreitos, escadarias de pedra e arquitetura tradicional, era o ambiente ideal para os gatos se proliferarem. Os moradores, amantes dos felinos, começaram a alimentá-los e a construir pequenas casinhas ao longo das ruelas. O convívio era harmonioso, e logo os gatos se tornaram parte da rotina da cidade.
A relação entre humanos e felinos se estreitou tanto que, com o tempo, algumas lojas passaram a ter “gerentes-gato”. Sim, um gatinho ficava na porta ou no balcão da loja, atraindo turistas, encantando clientes e, claro, supervisionando os negócios com aquele olhar penetrante típico dos bichanos. Com o tempo, surgiu a ideia de oficializar essa convivência.

Foi assim que nasceu o título simbólico de “cidadão gato”. Sem status legal no sentido jurídico, mas com um peso cultural e emocional enorme. Os gatos passaram a ter nomes, identidade visual em murais e grafites pela cidade, estátuas, e até eventos dedicados a eles.
Um dos cidadãos mais famosos: o gato prefeito
O caso mais emblemático aconteceu com Nitama, o sucessor do famoso Tama, o “chefe de estação” da cidade de Kishi, na província de Wakayama. Tama ficou mundialmente conhecido por usar um chapéu de maquinista e “cumprimentar” os passageiros. Após sua morte, Nitama assumiu o cargo, mantendo viva a tradição. Embora não seja exatamente de Onomichi, a ideia inspirou outras cidades, que passaram a eleger seus próprios “representantes felinos”.
Em Onomichi, há até um templo felino chamado Neko no Hosomichi, ou “Caminho Estreito dos Gatos”. Nesse trajeto, espalham-se mais de mil pequenas esculturas de gatos chamadas Fukuishi-neko, símbolos de boa sorte. Visitantes de todo o Japão e do mundo deixam oferendas e fazem pedidos aos felinos.
A admiração dos japoneses pelos gatos não vem de hoje. A cultura japonesa associa os felinos à sorte, proteção contra maus espíritos e harmonia. O maneki-neko, aquele gatinho de cerâmica com a patinha levantada, é um símbolo clássico dessa tradição. Ele está presente em lojas, casas e até templos.
Em cidades como Onomichi, essa tradição ganhou contornos mais reais. Moradores relatam que a presença dos gatos contribui para um estilo de vida mais calmo, contemplativo e conectado com a natureza. Em tempos de estresse urbano, filas, prazos e ruído, observar um gato dormir tranquilamente ao sol ou se espreguiçar sobre uma bicicleta encostada na parede é quase terapêutico.

Com o tempo, a fama de Onomichi e de outras cidades felinas atraiu turistas. Visitantes do Japão e do exterior percorrem as vielas em busca dos gatos mais carismáticos, tiram fotos, compram souvenirs com temática felina e consomem em cafés que adotam a estética “cat-friendly”. Algumas lojas vendem produtos inspirados nos próprios gatos da região — camisetas, canecas, chaveiros e até livros com biografias dos bichanos mais famosos.
Esse turismo felino virou um setor econômico por si só. Em Tashirojima, por exemplo, os moradores construíram chalés em formato de gato para receber turistas. O curioso é que a ilha tem mais de 100 gatos e menos de 50 habitantes humanos. O equilíbrio é respeitado e, em muitos casos, os gatos têm até prioridade no atendimento.
A ética e o cuidado com os felinos
Com tanta visibilidade, também surgiram preocupações. Organizações locais e ONGs passaram a monitorar a saúde dos animais, promovendo campanhas de castração, alimentação balanceada e cuidados veterinários. Os cidadãos, por sua vez, são incentivados a alimentar os gatos de forma responsável e a manter o ambiente limpo e seguro.
Muitos dos gatos “cidadãos” vivem livres, mas são identificados por coleiras e monitorados por voluntários. Em Onomichi, há placas informativas nas ruas lembrando os turistas que os gatos são protegidos pela comunidade. Algumas cidades até criaram pequenas clínicas veterinárias sustentadas por doações, o que mostra o grau de organização e cuidado com os animais.
A notoriedade das cidades felinas também se refletiu na cultura pop. Filmes, animes, mangás e comerciais exploram essa ligação. Onomichi, inclusive, já serviu de cenário para filmes e ensaios fotográficos. Documentários sobre a vida dos gatos urbanos japoneses têm alcançado milhões de visualizações online, reforçando o encanto que essas histórias despertam.
Algumas universidades e escolas também abordam a relação humano-animal como parte de estudos socioculturais. Professores usam o exemplo de Onomichi para ensinar empatia, responsabilidade coletiva e respeito à vida.

Será que outras cidades poderiam seguir esse exemplo? Tratar os animais urbanos como parte legítima da comunidade, com direitos simbólicos e proteção, é um conceito que ainda soa distante em muitos lugares. No entanto, o sucesso das cidades japonesas mostra que é possível criar uma convivência harmônica entre humanos e animais — e até transformar isso em benefício social, turístico e econômico.
Enquanto isso, Onomichi continua sendo um exemplo de como um pequeno gesto — oferecer abrigo e comida a um animal — pode desencadear uma cadeia de impactos positivos. Uma cidade onde os gatos são cidadãos não apenas celebra os felinos, mas ensina o valor da coexistência respeitosa, da sensibilidade cultural e da alegria de viver com quem não fala a nossa língua, mas compreende o nosso coração.